A primeira resposta vem com outra pergunta, ainda mais intrigante – estamos prontos para a morte? E a segunda resposta, que abrange ambas, é – não. Nós não estamos prontos para a vida, primeiro porque isso implicaria estar prontos para a morte – e quem está? Como a morte é somente uma transformação – uma mudança não da forma humana, mas do cenário da vida e da dimensão –, estar pronto para a vida e para a morte é a mesma coisa. Alcançar essa prontidão é, fundamentalmente, uma questão de autoconhecimento.
Com efeito, esse “não” categórico surge do reconhecimento de nossa ignorância sobre o que é a vida? Embora haja muitos conceitos e definições sobre ela, um ato de humildade nos leva à conclusão de que somos apenas pequenos aprendizes na escola da existência, e a vida é nossa mestra. É ela que nos ensina a desenvolver nosso potencial de individuação para alcançar a autoconsciência, embora, pelo menos por enquanto, não saibamos quais serão as suas lições mais adiante.
Justamente por não sabermos o que vem pela frente, “estar pronto para a vida” não é um ponto de partida, mas o objetivo de uma jornada. O limiar da autoconsciência é o exato momento em que essa jornada se inicia de fato. Para alcançar a autoconsciência – que é mais que ser consciente de si –, é preciso empreender essa caminhada, por vezes dolorosa, pois há que se encarar todos os nossos aspectos, incluindo aqueles que nos desagradam. São justamente eles que nos mantêm aprisionados no ciclo tormentoso do sofrimento, sobretudo pelo medo e pela culpa, e o caminho exige a integração de todos eles em torno de nosso núcleo central de consciência.
Esse próprio núcleo de consciência, aliás, pode ser visto como a manifestação da vida em nós. Nessa perspectiva, a vida pode ser interpretada como o movimento da consciência pela existência, ou sua expansão no campo da inteligência da alma. Por definição, consciência é, também, o campo da mente desperta onde nos percebemos conscientes; é o princípio que anima todas as formas na natureza, da mais rudimentar no reino mineral à mais evoluída no ser humano. Dessa maneira, entendemos que a vida está em tudo, e o que a distingue são as variáveis dos níveis de quantidade e qualidade de consciência em cada forma manifestada. Consciência pode também ser entendida como tudo aquilo que se percebe na existência.
Com efeito, se a vida e a consciência permeiam tudo, podemos inferir, da mesma maneira, que tudo tem alma? Todas as criaturas possuem um campo de inteligência e consciência que as orienta em seu progresso, seja como uma alma coletiva ou já individualizada. A experiência humana transcorre na individuação de seu potencial, que é alcançado pelo seu desenvolvimento contínuo, integrando a personalidade com todos os seus aspectos ao centro profundo da consciência, ou Self, como foi abordado por Jung. Esse processo é o que culmina na autoconsciência, isto é, na capacidade de ser completo e assumir a si mesmo com total responsabilidade.
Essa responsabilidade inclui o caminho da espiritualidade independente de intermediários, sejam sacerdotes ou gurus. Tal espiritualidade independente, entretanto, deve ser entendida como a autoexpressão de sua natureza profunda, espiritual, e a conexão com o divino feita diretamente, o que não implica de maneira alguma desprezar as instituições religiosas ou deixar de frequentá-las.
Para que possamos avançar nessa reflexão, é crucial solidificar alguns conceitos fundamentais que servem de alicerce:
Individualismo, Individualidade e Individuação
A individuação, distingue-se da individualidade e do individualismo. O individualismo é uma mentalidade excludente em que o indivíduo se vê como prioridade em tudo, refletindo-se no egoísmo e no egocentrismo. A individualidade é aquilo que nos distingue dos outros, as características peculiares a cada indivíduo. A individuação, por sua vez, é o processo de tornar-se esse indivíduo único de forma plena, consciente e integrada. É a jornada para realizar seu potencial inato, integrando todas as partes de si mesmo, culminando na autoconsciência.
O Ser humano é um Ser Gregário?
Há consenso de que sim, que não fomos criados para viver sozinhos; nossa biologia e psicologia estão programadas para a vida em comunidade. Isto está certo; no entanto, a evolução é um sistema que nos movimenta para cima. Quanto mais nos elevamos, mais nos tornamos individualizados e menos dependentes emocionalmente dos outros. A convivência social, contudo, não se extingue, mas se aprimora – deixa de ser uma relação de dependência, e, de certa maneira, de nutrir-se da energia alheia, para se tornar uma fonte de suprimento consciente, na qual o indivíduo canaliza a energia cósmica através de si. Ele passa, então, a ser um colaborador para o progresso da humanidade.
Atualmente, porém, a maioria de nossas relações ainda opera em um nível diferente. Elas são, em geral, muito como um “entrevero” de liames que se entrelaçam – cordões de energia fluindo de uns para outros, sugados para suprir as próprias carências. Isso caracteriza bem o nível de consciência em que se encontra cada indivíduo. Parece haver um mecanismo vicioso de difícil ruptura, formando algo como um “líquido viscoso” no qual todos estão imersos e mal conseguem se mover, mas do qual, pela temperatura morna, quase ninguém quer sair.
Esse estado de consciência emocional usurpa nossa inteligência e turva completamente a lucidez, a ponto de, tomados por um vulcão de raiva em grupo ou multidão, sermos capazes de cometer os mais bárbaros atos criminosos, os quais não praticaríamos sozinhos. Não proponho com isso que toda coletividade seja ruim; tudo depende do momento, da liderança e, fundamentalmente, da motivação. Todos os eventos catastróficos provocados pela ação humana em massa advêm do descontrole emocional, no qual a consciência mergulha como em águas turvas. O indivíduo, levado pela comoção coletiva, perde o discernimento e, por isso, reage de maneira desordenada, destruindo tudo pela frente.
Por sua vez, quando as multidões se reúnem para um evento de arte, como uma apresentação musical de alto nível, a emocionalidade se eleva, e o ser humano é capaz de superar seus maiores desafios, como o de perdoar a si e aos outros, e um sentimento de compaixão aflora naquele momento de alegria intensa. Num momento de emoção elevada, os melhores atributos humanos afloram, e é como se a consciência subisse alguns degraus na escala de sua evolução, firmando-se ali, pelo menos por um tempo.
Essa dualidade nos faz pensar o quanto é importante amadurecer nossos corpos emocional e mental, a fim de podermos transcender seus limites psicológicos e elevar a consciência ao quarto nível. Este é o nível do corpo causal, no qual a mente opera em nível intuitivo e desperta a compaixão pelo amadurecimento emocional. É nesse quarto corpo e nível de consciência que o ser humano se humaniza verdadeiramente.
Permanecer no estado de convivência inferior, em que todos sugam as energias uns dos outros, caracteriza a consciência em seu nível emocional (o segundo na escala de evolução). A isso, junta-se o terceiro nível, no qual o ego é preponderante, e o cenário fica ainda mais complicado. Um ser humano dependente emocionalmente e egocentrado é um reflexo da fragmentação da personalidade; que se mostra uma estrutura insustentável à individualidade e ao próprio processo de individuação. Essa fragmentação é o que torna o ser humano fraco, amedrontado, cheio de culpa e inseguro diante da vida, alimentando seu estado de dependência.
Se nos compararmos aos animais, por exemplo, eles vivem muito bem coletivamente, mas ainda não se individualizaram; são organizados e orientados por uma alma coletiva. Eles diferem, portanto, do ser humano, que já alcançou sua individualidade e, a partir desse ponto, sua evolução passa a ser consciente e de sua total responsabilidade. Desde o momento em que conquistamos o livre-arbítrio, cada passo é nosso, seja exercendo-o em plenitude consciente, ou sendo forçados ainda pelo determinismo.
Conclui-se, assim, que somos seres criados para viver em família e sociedade, mas não para permanecer nesse estado de aprisionamento emocional, convivendo como vampirizadores de energia uns dos outros. A meta da evolução é a individuação, na qual nos tornamos autoconscientes, unos com o todo – colaboradores capacitados para auxiliar todas as criaturas que ainda não atingiram esse patamar a alcançarem também esse estado de consciência, libertando-se desses liames de sofrimento.
A jornada exige, portanto, reflexão e uma interiorização consciente, até que se alcance um estado de paz estável, no qual possamos nos defrontar com todo tipo de adversidade e contratempo sem nos deixar abalar. É o que chamo de estar em “prontidão para a vida”, que é a própria meta da existência humana – a autoconsciência, alcançada através do processo de individuação. Trata-se de uma jornada evolutiva que nos desafia a integrar todas as facetas de nossa personalidade, superando o individualismo e a dependência emocional. Ao fazer isso, deixamos de ser meros participantes de um sistema de carências energéticas para nos tornarmos colaboradores conscientes da evolução, em harmonia com a alma e a vida que permeiam tudo.
Para você, qual é o aspecto mais desafiador de encarar a si mesmo nessa jornada? Deixe sua reflexão nos comentários.


