O Tribunal da Nossa Consciência
No íntimo de cada um de nós, existe um tribunal em constante sessão. É a nossa consciência, que julga nossas escolhas e ações, definindo o que é certo e errado. Frequentemente, seu veredito chega como uma consequência dolorosa – o peso da culpa e do remorso quando sentimos que agimos mal. Este julgamento interno nos perturba e questiona. Seriam o bem e o mal valores absolutos e imutáveis? E, mais importante, como podemos pacificar esse tribunal da consciência e transformar seu julgamento em uma ferramenta para a paz, em vez de uma fonte de angústia?
Para entender esse tribunal, precisamos olhar para as leis que ele utiliza. Inicialmente, nossa conduta é moldada por referências externas, como os códigos morais da sociedade e a legislação vigente. O juízo final, contudo, pertence sempre à nossa consciência. É ela que, através de seus próprios sensos de ética, justiça e discernimento, nos capacita a avaliar nossos atos e determinar nosso caminho entre o bem e o mal.
A Função do Erro na Jornada da Vida
Nossa jornada de aprendizado é construída sobre a experiência de erros e acertos. Na escola da vida, os tropeços são inevitáveis. Inicialmente, aprendemos a discernir pelos resultados mais óbvios – se algo nos causa dor e sofrimento, é negativo e mal; se proporciona paz, é positivo e bem. No entanto, a verdadeira sabedoria não está em nunca errar, mas em compreender a função do erro. Cada falha é uma oportunidade de aprendizado. O desafio é não se paralisar pela culpa, que é frequentemente alimentada por julgamentos externos e pela nossa própria autocrítica severa. Ao invés de nos vermos como réus a serem punidos, podemos nos enxergar como alunos aprendendo as lições que a vida nos oferece.
Diferenciando a Lição da Culpa
Aqui reside uma das chaves para a paz interior – diferenciar a lição da culpa. A culpa nos acorrenta ao passado, nos fazendo reviver o erro em um ciclo de sofrimento pelo remorso. A lição, por outro lado, nos liberta. É a habilidade de reconhecer a falha, compreender suas consequências e integrar o aprendizado para evoluir. Percebemos, então, que o perdão é a ferramenta que transforma culpa em lição. E se sentimos que devemos perdoar os outros, o primeiro e mais crucial passo é perdoar a si mesmo. O auto perdão não é um ato de conveniência, mas de amor e sabedoria. É a libertação do mal que insiste em ecoar em nossa consciência, abrindo espaço para o crescimento.
Nessa construção do SER, percebemos cada vez mais que nosso mundo interior possui todos os recursos de que necessitamos para empreender a jornada e aprender as lições da vida. É como se a vida nos guiasse por um caminho desconhecido através de sinais e percepções internas, captadas pela nossa inteligência e pelos sentidos da alma, sendo o mais importante a intuição.
Discernimento – A Sabedoria de Julgar Sem Condenar
O discernimento é, em si, um ato de julgar. É o juízo de valores internos que orienta nossas escolhas e ações. Toda vez que avaliamos algo, seja uma ação nossa ou de outros, estamos julgando e, possivelmente, usando o discernimento para nosso próprio aprendizado. No entanto, ele se diferencia da condenação. Julgar para condenar é exercer o papel de juiz. Julgar com discernimento é usar a clareza mental e espiritual para avaliar uma situação, extrair seu aprendizado e seguir em frente. O discernimento é a sabedoria de olhar para as próprias ações não para se punir, mas para se libertar. É ele que nos permite entender que, em nossa atual jornada evolutiva, nosso “bem” ainda é relativo. Como seres imperfeitos em busca da perfeição, precisamos ter a clareza de que nossas ações, muitas vezes egocêntricas, são apenas uma projeção parcial do bem absoluto.
É essa compreensão que nos torna humildes e compassivos. Podemos então ser mais complacentes conosco e com os outros, entendendo que não sabemos com exatidão qual é o verdadeiro bem. O discernimento, portanto, não é uma ferramenta para atingir um veredito final, mas um guia para navegar nossa imperfeição com mais sabedoria e amor, reconhecendo que, no nosso tribunal interno, somos juízes apenas de nossos próprios atos.
Alinhar as Decisões com a Evolução Espiritual
No final do caminho, o bem e o mal se unem, pois ambos são etapas do aprendizado, no qual temos que dominar o mal e não usar mal o bem. Para nós, o bem ainda é o menor mal, visto que nossos sensos internos são pouco desenvolvidos e nossas ações, egocêntricas. Sob essa perspectiva egocêntrica, nossa visão do bem e do mal é distorcida pela própria posição em que nos colocamos em relação aos outros.
A verdadeira compreensão do bem absoluto só será atingida quando o indivíduo houver desenvolvido a plenitude de seu discernimento e purificado a alma nas provações da vida; quando o sangue das feridas do mal enfim cessar e a consciência encontrar a paz profunda no amor universal. No estágio evolutivo em que estamos, ainda que busquemos o bem, precisamos ter a clareza de que ele é apenas uma projeção parcial e frequentemente distorcida da ideia do bem absoluto que emana do Criador de Tudo.
A Busca pela Perfeição e a Necessidade da Complacência
Somos imperfeitos, mas estamos nos burilando para alcançar nossa essência pura em busca da perfeição. Não sabemos se alcançaremos a perfeição em sua plenitude em algum momento da existência, no entanto, temos um modelo mental a nos guiar em nossa evolução. E este modelo foi personificado por Jesus em sua passagem entre nós há dois mil anos. Se alcançarmos esse grau de perfeição, certamente teremos atingido uma meta fundamental de nossa evolução. Mas isso ainda está distante em tempo e aprendizados, sendo, por enquanto, apenas um vislumbre no horizonte de nossa evolução espiritual.
Assim sendo, talvez possamos ser mais complacentes conosco e com os erros dos outros, nos perdoar e perdoá-los. Podemos nos pacificar ao entender que, em nossas imperfeições, não sabemos com exatidão qual é o verdadeiro bem – aquele que não possui nenhuma mácula de nosso ego e que respeita o livre-arbítrio de todos.
O Limite do Bem e o Respeito ao Livre-Arbítrio
Nossa visão do bem pode ser uma armadilha. Muitas vezes, na ânsia de ajudar, interferimos no livre-arbítrio alheio, impondo nossas “verdades” como se fossem absolutas. Isso é especialmente comum nas relações mais próximas. Respeitar o caminho do outro é uma das formas mais elevadas do bem. Isso não significa omissão diante de um ato destrutivo, mas sim compreender que cada indivíduo tem seu próprio ritmo de aprendizado. Podemos e devemos oferecer orientação, bons exemplos e auxílio, mas sem nos tornarmos “donos” da jornada do outro. A verdadeira ajuda apoia, mas não controla.
A Regeneração da Consciência pelo Autoconhecimento
O caminho para pacificar o tribunal interno é o autoconhecimento. Longe de ser um veredito sobre o passado, ele é um profundo acerto de contas interno, um momento de clareza que permite a libertação de velhos padrões e o nascimento de um novo SER. O autoconhecimento é o solo fértil no qual essa regeneração floresce. É através da auto-observação honesta que identificamos as sombras do passado a serem trazidas à luz – traumas, culpas e padrões que nos acorrentam. “Julgar” a si mesmo, neste contexto, não é condenar, mas discernir com compaixão, extraindo as lições necessárias para a evolução.
Ao nos aprofundarmos no autoconhecimento, começamos a perdoar a nós mesmos e aos outros, compreendendo que cada experiência, por mais dolorosa que tenha sido, contribuiu para a nossa jornada de crescimento. O perdão é a chave que abre as portas da prisão, permitindo que a nossa energia vital, antes estagnada na ruminação do passado, flua livremente.