Liberdade é Uma Questão de Estrutura Interior

Somos realmente livres? Se cultivarmos uma perspectiva de liberdade baseada na premissa de que podemos fazer tudo o que quisermos, ou se nos apegarmos a uma ideia de liberdade política vinculada à democracia, ou mesmo pode ocorrer se acreditarmos que uma estrutura religiosa e seus dogmas nos libertam, ou se alcançamos relativa segurança material a ponto de supostamente não depender de ninguém e não nos preocuparmos com o futuro, talvez nossa resposta inicial seja ‘sim’.

Contudo, a liberdade fundamental de que precisamos não é uma questão de circunstâncias externas. Se assim fosse, essa liberdade estaria condicionada aos fatores externos que elegemos para sustentá-la. Isso não configura liberdade, mas sim dependência – uma forma de escravidão a uma noção ilusória de liberdade. A verdadeira liberdade que buscamos, consciente ou inconscientemente, reside em nossa estrutura interior, em nossa atitude perante a vida. Ser livre não significa fazer impulsivamente o que se deseja, mas sim ter o discernimento de como agir e em que circunstâncias é apropriado fazê-lo.

Acima de tudo, a liberdade é um posicionamento interior que não se deixa perturbar ou abalar pelos acontecimentos externos. Ela floresce na vida interior, esse domínio onde somos soberanos e cuja entrada somente nós mesmos podemos dar permissão. Ser livre, portanto, é tomar posse de si mesmo nesse mundo da vida interior. Contudo, existem muitas formas de encarar a liberdade circunstancial – essa mesma que ainda permeia nossas crenças ilusórias. Um exemplo comum é a suposta liberdade de poder opinar sobre qualquer assunto que desejarmos.

Mas seriam essas opiniões genuinamente nossas? Ou estariam elas, na verdade, condicionadas pelo meio social, político, filosófico e religioso em que estamos imersos? Quem, de fato, possui uma opinião própria, que seja verdadeiramente independente e soberana em relação a todas essas influências? Somos realmente livres para pensar, ou somos condicionados a acreditar que somos livres, enquanto apenas expressamos opiniões moldadas pela formatação cultural e intelectual que recebemos das ‘escolas do mundo’? Esta é uma questão crucial a ser levantada sempre que consideramos nossa pretensa liberdade de pensamento. Embora o condicionamento seja real e profundo, o pensamento crítico e a reflexão autônoma, mesmo dentro do contexto cultural, são possíveis. É uma questão de auto-observação, para que, com o tempo e a prática do discernimento possamos vir a identificar a origem de nossos pensamentos e como os expressamos.

Pode ser um desafio examinar posturas tais como quando certas pessoas se autodenominam “livres pensadores”. Livres de quê, exatamente? Uma suposta liberdade dentro da inescapável teia da cultura não passa de um mecanismo para amenizar o fardo da submissão intelectual. Esse exame, no entanto, não deve extrapolar o limite do discernimento para uma condenação, e sim como reflexão para todos. Afinal, quem de nós não está inserido em algum modelo de sociedade com regras e leis?

Podem existir muitos caminhos que nos levam a alcançar a verdadeira liberdade, no entanto, todos eles passam pelo autoconhecimento. Somente através de uma profunda autotransformação – isto é, uma mudança radical em nossa vivência interior e uma efetiva transmutação mental – podemos nos tornar livres. Porém, devemos considerar que isso não é nada fácil e depende muito do estágio em que cada um se encontra no desenvolvimento de sua inteligência e consciência. O processo até chegar a um grau considerável e profundo de autoconhecimento, passa por muitas camadas e cada uma deve ser vivenciada moderadamente. No início do caminho da autotransformação há necessidade de muita ajuda, seja por terapia ou participando em grupos ou escolas apropriadas. Antes de se alcançar a autodeterminação e a autoconsciência, há um longo caminho a ser percorrido junto com aqueles que já estão mais desenvolvidos.

Essa liberdade, contudo, não se estabelece primariamente no mundo externo, onde estamos sujeitos a diversas leis, regras e regulamentos. Ela floresce, sim, no mundo interior, onde residem os autênticos recursos da vida. Ser livre, portanto, é ser integralmente ‘si mesmo’. No entanto, embora a liberdade interior seja fundamental, condições externas favoráveis, como acesso à educação e ao estudo, convivência com pessoas melhor desenvolvidas, podem facilitar o exercício da liberdade como experiência saudável e gerar ambientação propícia a essa busca interior, sem serem a fonte da liberdade em si. A verdadeira liberdade que buscamos, consciente ou inconscientemente, reside em nossa estrutura interior.

Vida Interior

Nossa visão interior ainda não despertou, o que nos torna cegos para nossa própria vida íntima. Consequentemente, tudo o que vemos e percebemos sobre nós mesmos são apenas vislumbres, sombras projetadas no exterior. É por meio dessas projeções que nos identificamos e desenvolvemos um tipo de autoconhecimento superficial e ilusório.

Na verdade, essa percepção constitui meramente informação superficial sobre nós, algo que sequer alcança o status de conhecimento genuíno. Para dar início à jornada do autoconhecimento, o primeiro passo é adquirir esse conhecimento autêntico, processo que demanda auxílio, estudo e experiência. O saber sobre nós mesmos só se converte em verdadeiro conhecimento quando nós mesmos nos tornamos aquilo que descobrimos ser. Fora disso, apenas construímos uma imagem a nosso respeito, frequentemente moldada por mecanismos que atendem às nossas expectativas e evitam que nos encaremos integralmente. Tornar-se o próprio conhecimento de si significa transformar-se naquilo que se revela em nossa descoberta interior, e não apenas acumular um conjunto de teorias sobre quem somos como uma espécie de adorno para o ego.

A busca pelo conhecimento é uma constante na experiência humana. No entanto, direcionar essa busca para dentro, rumo ao autoconhecimento e à elevação do nível de consciência, ainda costuma ficar em segundo plano para a maioria das pessoas. A partir dessa base, inicia-se a busca pelo autoconhecimento, um longo caminho a ser percorrido na vastidão do mundo interior. Tentar conhecer a si mesmo sem percorrer os labirintos e as sendas desse nosso rico e esplendoroso universo interior é uma armadilha. Essa tentativa superficial nos leva a enveredar por caminhos perigosos de autoengano e ilusões, criando amarras difíceis de desatar posteriormente.  Isso é especialmente arriscado quando se busca por atalhos ou se adere a abordagens superficiais que prometem transformação sem o necessário mergulho interior, muitas vezes focadas mais em aparências ou soluções rápidas do que no paciente trabalho de autoconhecimento.

A vida, que em grande parte permanece um mistério para nós, assemelha-se a um rio – parte sempre da mesma fonte e desagua no mesmo destino, mas seu fluxo é contínuo e incessante. Ela flui através de nós em um movimento permanente e infinito. Quando resistimos a esse fluxo e estagnamos, a vida, nos convida pelos meios apropriados, que podem ser um sinal, um encontro, um livro que chega às nossas mãos, ou, quando a resistência é demasiada ela usa uma metodologia mais dura para nos impulsionar adiante. Sua pedagogia, embora por vezes nos inflija dor, é profundamente amorosa e tem sempre como objetivo final a nossa mais elevada educação espiritual. A vida não nos maltrata, somos nós que, ao oferecer resistência ao chamado interno, criamos os atritos com a vida que provocam dor.

Portanto, a jornada rumo à liberdade autêntica revela-se, inescapavelmente, uma viagem ao centro de nós mesmos. Transcender as ilusões da liberdade circunstancial exige a coragem do autoexame e a disciplina da transformação interior. É ao edificar essa ‘estrutura interior’, através do autoconhecimento profundo e da transmutação mental, que nos apropriamos de nossa soberania essencial. Embora o mundo externo siga suas leis e contingências, é no universo íntimo que a verdadeira liberdade floresce, permitindo-nos navegar na vida com discernimento, integridade e uma paz que não depende de condições passageiras.

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1 comentário

  • José Roberto Molinari disse:

    A questão sobre se somos realmente livres é complexa e multifacetada, e muitas vezes depende da perspectiva que adotamos. Quando pensamos liberdade como a capacidade de fazer tudo o que quisermos, podemos estar limitados por nossas próprias condições, interesses e consequências, o que leva a uma visão mais individualista e, por vezes, ilusória de liberdade.

    Por outro lado, ao vinculá-la à ideia de liberdade política dentro de uma democracia, reconhecemos a importância de direitos, garantias e participações que tornam possível exercer escolhas de forma mais coletiva e restrita por estruturas institucionais. Essa visão enfatiza a liberdade como um direito conquistado e protegido pelo sistema político.

    Já ao considerarmos a liberdade proporcionada por uma estrutura religiosa e seus dogmas, podemos entender essa liberdade como uma libertação de dúvidas, inseguranças ou do caos, oferecendo uma sensação de propósito e orientação, embora ela possa também impor limites às nossas escolhas por meio de preceitos e regras.

    Por fim, alcançar uma segurança material relativa pode nos dar a impressão de autonomia, pois não precisamos depender de outros ou nos preocupar excessivamente com o futuro imediato. No entanto, essa segurança muitas vezes é frágil e depende de fatores externos que estão além do controle individual, levantando a questão de até que ponto essa condição realmente nos confere liberdade plena.

    Em suma, nossa resposta inicial de que somos livres pode parecer válida dentro de certos contextos, mas uma análise mais aprofundada revela que a liberdade é uma construção complexa, influenciada por fatores sociais, econômicos, culturais e pessoais. Portanto, a verdadeira liberdade talvez esteja em reconhecer suas múltiplas dimensões e limitações, buscando um equilíbrio entre elas.

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