Se levarmos em consideração o verdadeiro significado da frase que ornava o pórtico do Templo de Delfos, na Grécia – “Conhece-te a ti mesmo” –, talvez voltemos nossos olhos para a verdade sagrada e a busquemos no mais profundo de nós mesmos. A frase, frequentemente atribuída a Sócrates, repercute até nossos dias, especialmente em sua versão estendida: “… e conhecerás o universo e os deuses”.
Contudo, talvez não tenhamos compreendido sua total profundidade. Isso se deve, em parte, à nossa admiração pela Grécia como o berço da civilização ocidental, ancorada na racionalidade filosófica. Ignoramos, no entanto, que os próprios filósofos e sábios gregos buscaram conhecimento no Egito Antigo, junto a seus Grandes Sacerdotes. A própria inscrição de Delfos, segundo essa perspectiva, teria origem egípcia.
O real significado, porém, pode não ter sido plenamente retransmitido pelos gregos, cuja mentalidade racional talvez não tenha conseguido capturar toda a sua dimensão mística. Para os egípcios, que eram um povo profundamente intuitivo e místico, não havia separação entre o sagrado e o profano – tudo era sagrado. Essa sua mística impregnada em suas práticas é o que nós ocidentais ainda não conseguimos entender e, por isso, as interpretações dos textos egípcios, em seus papiros, perdem seus significados mais profundos até hoje.
Essa percepção da sabedoria egípcia como mais antiga e profunda é ecoada por Platão no diálogo “Timeu”. Nele, o sacerdote Sônquis se dirige a Sólon, ressaltando a “juventude” da alma grega em contraste com a ancestralidade egípcia: “Ó Sólon, Sólon, vós, os gregos, sois sempre crianças; na Grécia, não há um homem velho. Sois todos jovens de alma, não possuindo nela uma antiga opinião de tradição antiga, nem ciência pelo tempo envelhecida…”
Essa antiga separação entre o místico e o racional parece ter se aprofundado com o tempo. A chamada civilização moderna pode ser carimbada pelo estigma da profanação, da superficialidade e da ausência de símbolos sagrados. Talvez por isso não reconheçamos mais o sagrado em tudo e, dessa maneira, não respeitemos o tempo da maturidade, tornando-nos ansiosos – o que é muito diferente do anseio de se conhecer.
Nesse rol de vulgaridades e vulnerabilidades, de viver e experimentar as coisas apenas na superfície, foi instituído um falso modelo de autoconhecimento, que se confunde com autoajuda ou filosofia barata. É excessiva a quantidade de conteúdos sobre o assunto, em livros e vídeos, que abordam a questão como mero modismo. O autoconhecimento não pode se tornar mais uma dessas fantasiosas imaginações, engendradas em linguajar elegante para vender livros, atrair seguidores na internet ou se converter em um produto altamente lucrativo.
O autoconhecimento é muito mais do que conhecer a si pelo estudo, autoestudo e auto-observação. Esta é apenas a primeira camada, a parte superficial e, digamos assim, teórica. Se ficarmos só nela, corremos o risco de aumentar ainda mais nosso egocentrismo e nos tornarmos pretensos conhecedores de nossa psicologia.
O verdadeiro autoconhecimento começa na camada seguinte – no trabalho efetivo da transformação interior e transmutação da consciência profunda. Para conhecer a si mesmo, é preciso cavar – e cavar muito fundo – o terreno do ego que encobre a centelha, nossa verdadeira essência. Essa essência se projeta como nossa individuação, mas nós a confundimos com o próprio ego. A desconstrução da torre na qual o egocentrismo se corporificou é tarefa árdua e, se não for feita, tudo o que conheceremos de nós mesmos serão apenas mais projeções.
Espero que esta reflexão produza algum efeito, pelo menos naqueles que estão buscando a verdade com discernimento para, realmente, fazer o trabalho transformador em si.