A Natureza do Poder e a Busca pelo Bem
Todo poder emana de um centro organizador, cuja natureza pode ser orientada por uma consciência ética ou egocêntrica. Justo é aquele que consegue se colocar em igualdade com os outros; ético é aquele que é capaz de ser justo sem depender de regras externas ou da própria justiça. Ser ético, portanto, equivale a ser justo, o que implica considerar o bem como alicerce fundamental de todas as ações. O verdadeiro poder é aquele que emana do centro profundo do Ser – o poder espiritual.
Contudo, apesar das múltiplas camadas de bem que o ser humano se esforça por construir, o mal frequentemente persiste subjacente. Isso ocorre porque nem sempre aquilo que concebemos como “bem” se revela verdadeiramente como bem, especialmente quando examinamos as repercussões de nossas ações sobre os outros. Uma ação, mesmo que bem-intencionada, pode gerar um efeito mais nocivo do que benéfico se sua aplicação não respeitar o livre-arbítrio alheio. Somos movidos por um impulso interno de auxiliar o próximo, mas nem sempre encontramos a medida certa para essa ajuda. Quando premeditamos resultados que nos beneficiem pessoalmente, nossas boas intenções podem se tornar egocêntricas e, consequentemente, seus frutos podem não corresponder ao bem genuíno que desejamos gerar. Contudo, se ainda não alcançamos o bem ideal, que ao menos nossas ações resultem no menor mal possível.
O Desafio do Equilíbrio e as Influências Externas
O justo equilíbrio entre o bem e o mal deveria ser o fiel da balança da justiça, tanto nos tribunais humanos — onde a justiça, ao se limitar à defesa do direito, arrisca-se a ser distorcida — quanto na consciência individual. É desafiador encontrar esse ponto neutro de equilíbrio enquanto somos indivíduos cujos comportamentos são influenciados pela coletividade e pela defesa de “bandeiras” – bandeiras ideológicas, políticas, religiosas, dos direitos e tantas outras. Toda bandeira é, em essência, um símbolo que pode representar divisão, cujas cores podem ser tomadas como indicativos de um posicionamento mais ou menos agressivo. Por isso, a bandeira da paz é simbolizada pelo branco, que representa a ausência de cor, a neutralidade. As bandeiras que levantamos em defesa de uma ideologia ou da justiça podem se tornar brados contra um “outro lado”, aquele que julgamos ser injusto, opressor ou equivocado. Por essa razão, o “inimigo” percebido também se fortalece para defender seu território, seja ele geográfico ou ideológico. E assim se sucedem as guerras enquanto o ser humano não se pacificar internamente e não aceitar, profundamente em seu íntimo, as diversidades existentes na humanidade.
As Repercussões das Ações e a Necessidade do Autoconhecimento
São inúmeras as camadas e nuanças de nossas ações que demandam nossa observação atenta e vigilante, especialmente no que diz respeito às suas repercussões sobre os indivíduos diretamente afetados, sobre a coletividade e sobre o mundo de modo geral. Pode parecer que uma ação aparentemente insignificante, como proferir um xingamento, não afetará o planeta em sua globalidade. No entanto, essa nossa incapacidade de perceber a real extensão de um pensamento, palavra ou ação deve-se ao grau em que ainda nos encontramos limitados pela matéria e pelo nosso estágio evolutivo – especialmente no que tange à inteligência e a consciência associadas à ética e ao amor –, o que obstrui nossos sentidos mais sutis. Paralelamente, são poucos os que verdadeiramente se interessam pelo estudo de nossa natureza mais profunda, pelo autoconhecimento e pela compreensão das forças que mobilizamos por meio de nossos pensamentos. A fragilidade humana, evidenciada perante as adversidades que assolam o indivíduo, é um claro indício dessa carência de solidez espiritual. Tal vulnerabilidade reflete a negligência para com as questões fundamentais e transcendentais da vida – em sua dimensão de eternidade – e o medo de se conhecer profundamente, que ainda se configura como o grande dilema humano. Por sua vez, as repercussões de nossas ações movidas pelo pensamento e pela emoção, ou pelo sentimento e amor, geram efeitos que são sentidos por nós mesmos sem entender que são reflexos de nós mesmos.
A Profundidade da Discussão Ética e a Observação Consciente
Discorrer sobre ética e justiça, ou sobre poder espiritual, sem levar em consideração a totalidade de suas nuanças, assemelha-se a tagarelar sobre futebol, política ou a vida alheia em um bar, bebendo cerveja. É, como se diz na expressão popular, “jogar conversa fora”. Contudo, até que ponto essas conversas são de fato “jogadas fora”? Em certo sentido, são conversas “desperdiçadas”, ou seja, externalizadas sem uma profunda ancoragem na consciência individual. No entanto, elas ainda projetam efeitos, embora possivelmente em uma escala diferente de um diálogo intencional, dotado de foco e direção.
Para abordar temas como ética, justiça ou poder espiritual de forma significativa, é crucial observar o entorno e ponderar sobre as possíveis repercussões de cada ação – seja ela um pensamento, uma palavra ou um ato concreto. Em outras palavras, para compreender o mecanismo das repercussões mentais, é imperativo elevar nosso nível de consciência; caso contrário, arriscamo-nos a ser meros “frequentadores de bar”, a bebericar e a “jogar conversa fora”. Ainda sabemos pouco sobre ética, justiça ou poder espiritual, apesar da profusão de teorias e conceitos filosóficos. Contudo, a experiência atentamente observada revela-nos dimensões que as teorias, por si sós, frequentemente não abarcam. A observação é, pois, um pilar fundamental em qualquer processo de aprendizado; sem ela, o conhecimento não floresce, especialmente no que tange ao autoconhecimento – a jornada de descoberta de si mesmo.
Nossos conceitos sobre ética são, ainda, eminentemente filosóficos e pouco práticos, considerando que ainda não desenvolvemos, consistentemente, o núcleo central profundo que dá sustentação à consciência. Por isso, a consciência ainda oscila entre os vários níveis, do mais elevado que já alcançamos ao mais baixo e primário de nosso passado. E esses conceitos filosóficos sobre ética podem nos confundir mais que nos indicar seu princípio fundamental que pode ser – “ama o teu próximo como ele é tu mesmo”.
A Transformação Interior como Caminho para a Verdadeira Justiça
Ao transmutar a indignação de um impulso vingativo para a compaixão, o ser se humaniza e alcança a justiça verdadeira – o senso moral que culmina na ética. Isso ocorre a partir da compreensão de que tudo se desenrola por mecanismos regidos por princípios e leis universais, e que a escolha entre o bem e o mal se insere no livre-arbítrio de cada indivíduo, seja agindo isoladamente ou em grupo. Quando a indignação assume um caráter vingativo, ela apenas fortalece a posição daquele que cometeu o ato transgressor, perpetuando o mal. Se o perdão ainda não for possível devido à condição emocional, é crucial, ao menos, evitar alimentar a comoção coletiva, pois esta, com sua energia, nutre aqueles propensos a cometer delitos.
A Prática da Justiça Equilibrada
Ser justo não significa tomar partido ou opor-se a outrem de forma beligerante, mas sim adotar uma postura equilibrada, correta e coerente, sem, contudo, ser omisso. Diante de um fato que transgrida as leis estabelecidas ou os princípios éticos universais – como uma agressão ou um crime mais grave –, é dever do cidadão tomar as providências cabíveis, conforme as circunstâncias e as leis vigentes, porém, sem se deixar levar pela emoção vingativa. Ser justo implica reconhecer tanto o certo quanto o errado e discernir qual é a melhor manifestação em seu nível de consciência e inteligência. No plano da consciência profunda, perdoar é o amor vivenciado em sua plenitude.
Conclusão
Neste artigo, procuramos sustentar que o verdadeiro poder tem sua origem em uma consciência ética e espiritual, intrinsecamente ligada ao autoconhecimento. A ética, por sua vez, ultrapassa a simples conformidade com normas externas, baseando-se na capacidade de agir com justiça a partir de um profundo respeito pelo bem-estar e livre-arbítrio dos outros. Nesse contexto, a justiça não se limita à aplicação de leis ou à defesa de posições, mas surge de um equilíbrio interior e da transformação da indignação em compaixão. Assim, o autoconhecimento é apresentado como o elemento fundamental para harmonizar o poder com princípios éticos e alcançar uma justiça genuína, capacitando o indivíduo a entender as consequências de seus atos e a desenvolver uma conduta orientada para o bem maior, em detrimento de reações egocêntricas. Este artigo, contudo, não é conclusivo; há muito a aprender ainda sobre poder, ética e justiça, sobre consciência e amor, sobre a vida enfim.